VAMOS FALAR DE TRENS (2) - Por RAMALHO LEITE


Fiquei impressionado! Como o trem exerce ou exerceu influência na vida das pessoas...Quando eu escrevi “Vamos Falar de Trens”, colhi manifestações de toda parte, cada leitor contando a sua história. Resolvi voltar ao assunto narrando alguns episódios e revelando seus personagens. Começo com minha primeira viagem de casado, de Borborema para a Capital. Estudava no Liceu e prometera ao meu pai que o casamento prematuro não atrapalharia meus estudos. A bagagem era quase nenhuma, mas o Chapeado 20 ficou encarregado do translado até a casa dos meus avós, onde morei até que pude alugar uma casinha. Foi minha viagem de lua -de -mel, encolhido do frio e limpando a fuligem que jorrava da locomotiva, mesmo com as janelas fechadas. Abri-las, só com o raiar de um novo dia, na passagem por Guarabira. E o Trem de Ferro, resfolegando: “Café com pão/café com pão/café com pão/Virge Maria, que foi isso maquinista?”,como diria Manoel Bandeira, até chegar ao seu destino, me abrindo as portas para uma nova vida.
O desembargador Aurélio de Albuquerque, meu professor de geografia no Liceu, foi promotor em Bananeiras, e contava com muito humor suas viagens de trens saindo nas madrugadas frias e chegando a João Pessoa perto do meio dia. Um guarda-noturno se encarregava de acordar os passageiros e era o mesmo que conduzia a bagagem. No meio do caminho não tinha um pedra, tinha um buraco. Drumont não esqueceria que “no meio do caminho tinha uma pedra”, mas o nosso promotor sempre esquecia que no meio do caminho tinha um buraco. E nele caiu todas as vezes que, na escuridão das noites sem lua, resolveu subir a Ladeira da Estação para a pegar o trem.
Meu tio Elvídio era rapazinho e chegado à algazarra da própria idade.Na saída do trem,em Borborema, colocou o braço para fora do vagão e o manteve estendido até que o comboio atingisse o fim da plataforma. Quem estivesse na rota do seu braço seria atingido, sem dúvida. Nesse dia, a sorte não seria sua companheira. Na plataforma deserta estava apenas o condutor, espécie de chefe do trem, esperando para subir no último carro. O braço de tio Elvídio o alcançou no meio da face. O quepe caiu e seu apito perdeu-se na escuridão. Ele, porém, não perdeu o trem e nem a fúria com que foi em busca do seu agressor. Os ânimos se acalmaram quando o “gaiato” foi reconhecido. O condutor era acostumado a receber dele, uma propina, toda vez que os “meninos de Poço Escuro” queriam descer no Engenho, que não tinha uma parada. Bastava diminuir a velocidade do trem na subida de Samambaia, e isso eles conseguiam num acerto entre o condutor e o maquinista. Meu tio Zé Rodrigues, certa feita, errou no salto e quebrou a cara. Para quem já era apelidado de “Zé Bonitinho”, o estrago não foi tão grande assim.( que me perdoe meu padrinho de crisma).
E a festa que se fazia na saída ou na chegada do trem? Vendia-se de tudo. Da água fria em quartinha, à tapioca. Da cocada, ao cuscuz molhado no coco. No período das festas juninas, além do milho assado, da pamonha e da canjica, também se vendia beijo-de-moça, pequenas bombas que os meninos compravam para assustar os passageiros que conseguiam dar um cochilo, mesmo com os balanços do vagão.Nas estações onde a máquina “bebia água”, dava tempo para estirar as pernas e visitar as mesas de quitutes. Em cada estação militava um vendedor mais afamado.
“Seu” Veludo, integrante da Assembléia de Deus de Borborema, até enquanto o trem parou na sua estação, manteve uma mesa com café, leite e todos os bolos conhecidos naqueles tempos. Encho a boca d´água quando me lembro do pé- de- moleque de “seu” Veludo. Era adocicado com rapadura e cozido na folha da bananeira. Antes que o trem desapareça na curva do túnel de Samambaia, devo registrar que “seu” Veludo viria a ser o avô do nosso distinguido jornalista e empresário midiático Walter Santos.
Quem tiver mais histórias que envolva o trem e seu romântico roteiro de viagem, mande para ramalholeite@uol.com.br. Vão fazer parte de um novo livro que pretendo publicar.Por enquanto, não vou mais aborrecer vocês com a saudade que sinto do apito do trem nas serras do brejo da Paraíba.

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Messina Palmeira

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