Crônica de um desastre anunciado
Ademir Alves de Melo
Santo Antônio de Leverger é um município de trinta mil
habitantes que integra a Região Metropolitana de Cuiabá. Em 2008, quando
realizava serviços de consultoria, na elaboração do Plano Estratégico de
Desenvolvimento da Infraestrutura Viária de Mato Grosso, tive a oportunidade de
acompanhar de perto o processo eleitoral no município. O prefeito cessante foi
alvo constante de graves denúncias de irregularidades praticadas, tais como
desvio de recursos, superfaturamento de obras e outras pérolas de malversações. Sempre se defendeu como fera
acossada, jamais acedendo aos apelos de convocação do Ministério Público e da
Polícia Federal para a realização de auditoria físico-financeira. Mas não
resistiu à força da verdade. Terminou sendo cassado por corrupção.
Em campanha, o seu sucessor foi comedido nas palavras,
pautado na ética cristã que abraça, embora não tenha se furtado às evidências,
prometendo, uma vez eleito, desvendar os fatos camuflados por um véu embaciado
de falácias e virtualidades, construídas com a matreirice dos gatos.
Passados dois meses do mandato do novo prefeito, prognostiquei
que a sua gestão estaria condenada ao fiasco, para decepção de tantos que nele
acreditaram e, por suas ideias e princípios, se lançaram em campanha. Essa
previsão cingia-se à observação dos seguintes fatos juntados como premissa para
uma conclusão extraída no pressuposto que não haveria mudanças de rumos, após
dois meses de instalação do governo de esperanças em mudanças no modelo de
gestão:
1.
A
equipe de segundo escalão foi constituída com base em acordos feitos com
profissionais da política pequena que condicionaram o apoio ao candidato à
ocupação de postos chaves da administração, mesmo quando inaptos para o
especificamente demandado;
2.
Sessenta
dias após a sua ascensão, conseguida a duras penas, o gestor sequer havia
visitado as suas bases e os distritos, até para agradecer o apoio recebido e
trazer uma palavra de confiança na sua gestão. Enquanto isso, diante da
imobilidade da situação, os grupos opositores desalojados do poder se sentiram
estimulados à reorientação de estratégias para a reunificação de forças e
montagem de um poder paralelo;
3.
As
denúncias de irregularidades foram soterradas pelo peso do silêncio monástico
imposto pelo amadorismo político no comando, reforçado ainda pelo burocratismo
do entourage reverente, que clama como princípio de ação pela neutralidade
valorativa na gestão da coisa pública;
4.
No
olho do furacão, o prefeito, que também é um homem de negócios, continuou dividindo
o seu tempo com as coisas da Prefeitura e a administração de seus negócios;
5.
O
seu antecessor, corrupto, abandonou o cargo, deixando os órgãos da
administração como sob o efeito de uma catástrofe natural em terra arrasada.
Sequer os assessores mais imediatos foram informados em detalhe dessa
devastação, com maior razão a sociedade local desinformada, porque não foram
acionados canais adequados, formais e informais, de comunicação. Faltava norte
político, porque o prefeito se fez cercar de espertalhões que têm horror à
política e a eles não toma a iniciativa de se impor, centralizando o poder de
decisão. Demais, como comentava a imprensa, sequer uma reunião interna de
avaliação fora convocada, ficando a administração à deriva, com brotes de
formação de feudos, sob o impulso de personalismos alimentados;
6.
O
amadorismo impôs-se ao profissionalismo, e o fazejamento ao planejamento
estratégico.
Por tudo isso, prognostiquei então o
fracasso da gestão do novo prefeito municipal, o que, de fato, veio a
acontecer, porque não houve mudança de rumos, nem vontade política de mudar.
Nesse ínterim, o Cavalheiro de Triste Figura, o prefeito corrupto ressuscitado
pela malandragem política e a omissão beatificada, transitava no município com
ares de competência e virtuosismo aparentes.
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